Dignidade de morrer
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Dignidade de morrer



Baseado em um caso real de eutanásia, filme italiano “A Bela Adormecida” discute os conflitos morais e religiosos que cercam a decisão de um pai em por fim à vida da filha em coma.


Um dramático caso da sociedade italiana atual, envolvendo consciência individual e razão de Estado, convicções religiosas e pertencimentos políticos, constitui o pano de fundo no qual se movem os personagens, fictícios, mas suficientemente verissímeis, do ultimo longa de Marco Bellocchio, A Bela Adormecida (2012). 

O diretor já acostumara o público a obras nas quais os dilemas internos dos protagonistas se sobrepunham a eventos marcantes da história de seu país: assim foi, para ficar somente na filmografia mais recente, com Bom Dia, Noite (2003) - no qual o fato histórico do sequestro e sucessivo assassinato do presidente do partido da Democracia Cristã em 1978 pelas temidas Brigadas Vermelhas se entrelaça com as angústias e os dilemas de uma jovem que pertence ao grupo dos sequestradores e carcereiros do político,

Também com Vencer (2008), reconstituição dos eventos ligados a uma relação amorosa extraconjugal de Mussolini no inicio de sua carreira, nunca assumida por ele e que levou a amante e o filho nascido dela a amargar anos de sofrimento, de perseguição e de internação até à morte em clinicas para doentes mentais.

Nesta nova performance, o diretor acompanha uma semana da história política e social da Itália, no começo de fevereiro de 2009. Na ocasião, o país concentrou sua atenção nos fatos ligados à vida e morte de Eluana Englaro, uma mulher que estava em estado vegetativo numa clínica havia 17 anos. Eluana sofrera um acidente de carro e, durante aquele ano, seu pai entrara com pedido na justiça o direito de suspender hidratação e alimentação para permitir à filha uma morte digna.

Tendo como base eventos reais, Bellocchio apresenta seus personagens, ligados, de uma forma ou de outra, ao caso de Eluana. O filme conta com breves registros documentais sobre o envolvimento dos partidos políticos, a autorização da justiça para suspender os tratamentos, as tentativas de aprovação urgente de decretos legislativos para impedir a atuação da sentença e a divisão da pública opinião a respeito. 

Estão representados também os militantes dos dois lados, o deputado do grupo governista e o seus dramas de consciência; a mãe diante de uma filha em coma, a mulher toxicodependente, com vontade de acabar com a vida, e o médico que cuida dela.

Questionamentos sobre a existência e suas angústias, o valor da vida e os direitos que cada um tem sobre ela, assim como as nossas escolhas e os conflitos: tudo isso povoa o filme, sem atitudes de condenação ou intenções de julgamento, sem lições de moral ou declarações de parte. Um conjunto de situações que contextualizam de modo eficaz o drama da escolha de um pai diante da filha sem perspectivas de vida real.

O longa, interpretado por atores de valor, entre os quais o destaque vai para Toni Servillo como o político (num papel que contrasta com sua atuação como o irônico e amargo protagonista de A Grande Beleza, atualmente nas telas), contribui a caracterizar debates e aspectos da vida cultural e política italiana deste período. 

Um país cujas raízes morais e religiosas, alimentadas pelo catolicismo, se encontram atualmente colocadas em questão, e cuja vida social se vê atravessada nos últimos anos por novas formas de fazer politica, por novos agrupamentos e comportamentos, alheios aos esquemas e sistemas mais tradicionais e consolidados. 

Mas também um problema, esse, a respeito da oportunidade de prolongar, e até que ponto e medida, o sofrimento de existências vegetativas que nada mais têm de humano, que atravessa a história civil e cultural de qualquer uma das atuais nações do mundo, e que clama por escolhas adequadas e sérias, também do ponto de vista legislativo. 

Eutanásia, ativa ou passiva, ortotanásia, dignidade humana até na morte: os assuntos estão na mesa de discussão e o filme no introduz na temática com propriedade. Uma obra que convida o espectador a refletir, então, e que abre para um debate que não pode mais ser adiado.

A Bela Adormecida (Bella Addormentata - Dir. Marco Bellocchio, Itália, 2012

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/



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