Dia das Bruxas — O medo é o grande provocador de histórias.

   Trago um pouco resumido o período inquisitório por meio de uma, talvez divertida, posição acerca da condenação da bruxa e da mulher sobre o que diz respeito a crença, religião e machismo. Acredito que muitas saibam que eu não me denomine feminista, pelo simples fato de crer que não é preciso me denominar para ser e lutar contra algo que me faça mal ou que me tire o poder de voz. É preciso encarnar a bruxa quando se refere a privação, desrespeito e violência, ainda mais quando nesse caldeirão a mistura é feminino e bruxaria.

   Para esclarecer um pouco do que quis trazer a tona: Fiquei a refletir sobre o verdadeiro sentido do dia 31 de outubro, comemorado ou celebrado o dia das bruxas não somente aqui no Brasil, com pouco poder, mas nos Estados Unidos e em muitos lugares ainda na Europa em que o nome ainda é Samhain. Muitos debates sobre essa celebração ainda é discutida em meio a grupos pagãos, de bruxaria, Wicca e os demais, onde a grande questão é: "Celebrar ou não o dia 31 como halloween?", muitas pessoas não dão importância ao halloween por denegrir a imagem da bruxa atual ou ao que se diz "bruxa moderna" pelo medo em que é passado através da celebração, eu posso dizer de forma íntima que o halloween sempre foi celebrado desde que nós entendemos inquisição por inquisição, era de fato uma forma de denegrir, botar medo, excluir, tirar, zombar de todas aquelas que eram cujas ditas bruxas, mas embora isso ainda seja culturalmente seguido precisamos ver mais além do que a passagem do medo e estórias/histórias sombrias acerca de nós mesmas, mas, de ver que para toda essa confusão teve um verdadeiro sentido, nossas antepassadas que morreram em nome da bruxaria, da liberdade, do feminino e de suas crenças. Eu, de forma íntima, digo que é importante pra mim lembrar disso com orgulho, afinal, a luta está ai para todas nós que ousamos de forma libertina enfrentar o que é comum e padrão. Mas não só, até mesmo orgulho daquelas que se calaram diante de tudo pra deixar o pouco que restou do que nós temos hoje: conhecimento. Eu posso garantir que essa reflexão me fez abrir os olhos não só para essa questão, mas para a bruxaria num contexto geral, amplo de maneira até mesmo mais gentil.

   O dia 31 merece ser celebrado quando não está dito que é para ser celebrado? Isso vai depender da sua visão sobre as coisas, até porque é fácil demais entender a bruxaria e Wicca como aqueles que trouxeram isso tudo a tona disseram que era, quando não foram eles que inventaram a bruxaria, mas quando eles desenterraram ela, tomando-a por sua propriedade quando a bruxaria não pertence a ninguém. Sabe porque adoro o dia das bruxas? Simplesmente porque não tem papai noel, coelho da páscoa que bota ovos de chocolate... O dia das bruxas mostra a verdade. Celebra-se todas aquelas que tiveram voz e coragem para estapear uma crença e religião que calou mulheres por serem mulheres. Me orgulho de ser neta, bisneta, tataraneta daquelas que foram mortas por inquisidores, porque foram aquelas que não se calaram!

                                                                   Sobre fazer sopa de crianças:

   Muitas lendas locais contam estórias sobre velhas bruxas más que sequestravam criancinhas se andassem pelos bosques e florestas, alguns até contam que essas crianças sequestradas serviriam de sopa para a bruxa. Essas estórias tentam justamente colocar medo, por isso traziam aspectos malévolos à essas senhoras sábias que eram em sua grande maioria senhoras benzedeiras, curandeiras, parteiras e outras que costumavam morar longe das cidades por causa da pobreza em que viviam, já que os ganhos de seus pequenos trabalhos eram bem mínimos.

    Outras estórias contam sobre uma velha bruxa má que trazia doenças a toda a cidade, o que também tem muito a ver com a pobreza extrema da época, já que muitas dessas senhoras que eram pobres viviam sem situações deploráveis e acabavam tendo doenças e por vezes morriam sós em suas casas velhas e mal cuidadas por doença ou mesmo por fome. Esse tipo de lenda mostra o temor de todos, não somente o medo das crianças, por estas supostas "bruxas" más e a elas eram dadas a razão e explicação para tudo o que acontecia de ruim pelas pequenas cidades.

                                                                   Sobre sua feiura:

   Os aspectos físicos das bruxas eram diversos, em geral, bastante aterrorizante. Isso acontecia justamente pela associação com a maldade, pois tudo o que era feio era criação de demônios. Por esse e outros mil motivos, as bruxas que eram em sua grande maioria senhoras de idade em plena pobreza, traziam traços deploráveis, pois muitas em situações precárias pelo pouco ganho, não cuidavam de suas aparências e muitas vezes eram abandonadas pelos familiares, isso quando os tinha. Assim, qualquer traço negativo nelas, era uma espécie de "marca" do diabo, como por exemplo as verrugas, o nariz grande e pontudo, a falta de dentes, os poucos dentes e também dentes demais. Somente dando aspectos horrendos, é que se tira a "magia" — em sentido de beleza — e fascinação de algo. O medo é o grande provocador de histórias. E eram essas estórias e histórias que davam limites a crianças, adolescentes e adultos.

        Sobre sua maldade:

   Toda bruxa, para ser bruxa, teria de parecer má. Não é atoa que todos os seus aspectos físicos e de caráter refletiriam isso da forma mais extensa possível. A bruxa não somente era feia, velha, cheia de marcas pelo corpo da sua falta de cuidados e de sua maldade, mas quando mais malvada, mais feia ela seria.

   A bruxa ganha seu papel de "bruxa má" quando aquilo precisa ter um limite, um controle e até mesmo provocar fúria, desagrado, mal estar e muito medo! Não bastando ser feia, sozinha, curandeira, parteira e sem dinheiro, a bruxa tem de ser má. Essa maldade evitava a perda de crianças em florestas e bosques, também evitava que alguns pudessem conhecer mistérios sobre cura, o que na época era de se temer, já que houve a proliferação de doenças contagiosas. Tamanha maldade foi refletida séculos mais tarde com a entrada dos contos de fadas para ensinar o que era bom e o que era ruim, mostrando o que deveria ou não ser feito, ser, ter e até mesmo quem estava sempre disposto a isso: a realeza. Os contos de fadas mostram a mulher má tornando-se uma bruxa por fazer maldade, essa seria outra forma de implementar o medo.

            Sobre seu comportamento:

    A bruxa era sinal não somente de maldade e de devoção ao demônio, mas era também um sinal de alerta! Aqueles que tivessem péssimos comportamentos ou comportamentos de uma bruxa, sofreriam com punição. Assim foi feito! Todos aqueles que desrespeitassem, ou que se comportassem de maneira indesejada seriam julgados e muitos seriam punidos. A bruxa má, ganha seu lugar no quesito "imoral", onde ela passa a ser profana, maldosa, invejosa, assassina, feiticeira e até mesmo velha! Condenada a uma série de exclusões,  a bruxa má lidaria com a solidão, já que não poderia estar com ninguém influenciando e transmitindo suas doenças. A bruxa então passa a ser pervertida, invejosa, mal humorada, mal criada, libertina, mal educada, imoral, fofoqueira e tudo aquilo que você pode imaginar que seja ruim.

             Sobre seu mal humor:

   As peripécias e feitiços que uma bruxa fazia era para amaldiçoar, rogar praga, tirar a sorte e além de tudo matar. A bruxa era sinônimo de mal humor, carrancuda, solitária e muito, muito, muito malvada. É por esses motivos que muitas senhoras de idade em péssimas condições eram abandonadas e "amaldiçoadas" a viverem sós, ninguém aguentava tamanho mal humor e malcriação, além é claro das suas necessidades que agora passavam a ser mais importantes e mais delicadas.

   Devido a isso também surge o aspecto de bruxa má, para ser ruim precisa estar de mal humor, maltratar, xingar, brigar! Com isso a bruxa se invocava e jogava seus feitiços naqueles que a enfrentava, tem maneira pior de colocar medo? Acho que não! Quem é que aguenta alguém mal humorado?

   A bruxa má precisava condenar, amaldiçoar, matar, enfeitiçar, tirar, maltratar... Não é atoa que mil utilidades malévolas foram dadas à elas. Eram associados a elas os raios e trovões, o que indicavam que estava "tramando" ou amaldiçoando as vilas e pessoas que moravam nelas. Também se associava a risada pesada e estridente que fazia qualquer um se arrepiar, e não só, foram dadas a elas os poderes de voar em vassouras para escolher lá de cima as criancinhas que iam sequestrar, os livros mágicos de olhos e dentes, os vendavais nas florestas, os uivos dos lobos, cantos de corujas e corvos, o poder de invocar e evocar espíritos malignos para possuir aqueles que ousassem entrar em suas pequenas casas afastadas dos vilarejos, os ataques das cobras e pra não deixar de lado o pior, elas podiam falar em línguas, pois era assim que elas podiam falar com satã. Que medo! Ai, de quem bebesse sua poção e fosse enfeitiçado por ela, condenaria todo um vilarejo as pragas dela, por isso, aqueles que fossem enfeitiçados foram condenados a morte.

   As bruxas são associadas desde sempre as tramoias, aos planos malévolos, feitiçaria ou bruxaria, ao julgamento e condenação, se apontasse o dedo a alguém, aquele a quem ela escolheu estaria amaldiçoado, não só, mas  nem nos olhos de uma bruxa podia-se olhar, nem mesmo falar. Muitas delas foram apedrejadas pelas ruas por causa do medo de possessão e maldições. A trama de uma bruxa era o passar de seu conhecimento adiante, ninguém podia ousar entendê-las ou ler seus éditos, pois seriam também amaldiçoadas e condenadas por isso. O espalhar de suas sabedorias eram o mesmo que espalhar suas doenças contagiosas.

   A bruxa após muito tempo ganha seu lado "erótico", sensual e seu lugar no quesito sexualidade. Muitas jovens passaram a se interessar pelos conhecimentos das antigas senhoras e mesmo com a condenação alheia, elas davam espaço para o aprendizado dos grandes mistérios, por mais sombrios que fossem. Devido a isso, muitas jovens foram condenadas por bruxaria e não somente isso, mas toda a mulher que tivesse tamanha beleza e sexualidade era condenada por bruxaria, muitas envolvidas em escândalos onde eram descobertas como amantes, ou prostitutas e até mesmo pela perda de sua virgindade com menor idade, assim eram condenadas pagãs e sentenciadas bruxas, já que traziam a libertinagem do diabo, sendo muitas vezes vítimas de exorcismos, anunciadas como possuídas e vezes por amante do próprio satã, a quem, segundo os inquisidores, cultuavam. A partir disso a mulher passa a ter sua sexualidade condenada, trazendo seu aspecto libertino, livre e sedutor. Muitos homens comprometidos denunciavam-nas como usurpadoras, prostitutas e bruxas por estarem envolvidas com eles, dizendo terem sido enfeitiçados por elas e assim, escapariam da futura separação. Surgindo então estórias sobre poções do amor, poções para fertilidade, para mulheres que não conseguiam engravidar e etc.

   Hoje, não somos condenadas a nada desse tipo, nada de feitiços para o amor ou sexualidade, nem mesmo por envolvimento e traições, não somos julgadas e maltratadas por inquisidores, nem mesmo somos tidas como amantes de satã, mesmo que a condenação de hoje seja a descriminação e desrespeito com a nossa crença. A bruxa hoje ainda é condenada, mas ainda assim permanece pagã, livre! É uma luta constante, não pra provar que tudo o que houve na inquisição foi um mal entendido e um desrespeito, mas uma luta pelo poder da mulher como mulher, como cidadã, como bruxa, como pagã, como um ser humano.

   O dia das bruxas nos serve para lembrar de tudo isso, de nossas avós, bisavós, tataravós e todas aquelas  mulheres que foram condenadas a bruxaria que morreram por tudo e por nada. Aquelas que foram maltratadas, excluídas, amaldiçoadas e desrespeitadas, todas elas mulheres que ainda sofrem por uma religião que prega a discriminação, o abuso sexual, a violência física e verbal, o uso e desuso da mulher e de seu corpo, o abandono, a privação de direitos e deveres, de escolhas e opções, de fazeres e desfazeres, de ser e de deixar de ser, as mesmas que foram condenadas e foram queimadas, mesmo que os métodos tenham mudado, merecem ser celebradas, merecem ter suas vozes ouvidas mais uma vez, merecem nosso orgulho, merecem nossas tentativas e conquistas! Mais do que o dia das bruxas do dia 31 de outubro que causa medo e traz a lembrança de que "meninas más vão pro inferno e meninas boas vão pro céu", é o dia de lembrar que tiveram mulheres com voz que queriam dizer a todas nós, bruxas ou não, a palavra: Luta.

   O dia das bruxas é mais do que doces ou travessuras, mais do que fantasias, mais do que sustos e medo, mais do que bruxas, vampiros, lobisomens, morcegos, monstros e mortes, o dia das bruxas é a voz de nossas ancestrais gritando em meio ao fogo "minha voz ainda pode ser ouvida, nem o fogo pode me calar".

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