"Era noite e a chuva caía. Enquanto caía era chuva, mas depois de caída era sangue". Estas palavras de Edgar Allan Poe
[1] aplicam-se às mil maravilhas ao lento processo de deslocação mundial agora em curso, em que todos os acontecimentos aparentemente anódinos ("a chuva") combinam-se para minar os fundamentos do sistema internacional que está moribundo ("o sangue"). Se este processo é lento, se estes acontecimentos podem parecer anódinos, é paradoxalmente porque a crise actual é a primeira crise sistémica verdadeiramente mundial: bem mais profunda que a de 1929, ela afecta todos os países e aflige o núcleo do sistema. Quando a de 1929 foi uma crise de adolescência da nova potência mundial, os Estados Unidos, a que vivemos actualmente corresponde aos últimos dias de um condenado ? e este condenado é a super-potência que se conhece desde 1945. Mas toda a organização do mundo está construída em torno dos Estados Unidos e ninguém tem interesse em que ela se afunde antes de estar completamente desligado. Trata-se portanto, para todos, de se afastar suavemente salvaguardando as apar ências habituais a fim de assegurar um transição sem sobressaltos, o que explica a lentidão do krach em curso.
É de certa forma como os pais que tentam sair do quarto do seu bebé na ponta dos pés para evitar que ele acorde e se ponha a berrar: o bebé é o dólar e os pais são indignos uma vez que saem para abandoná-lo.
A China é mestra nesta arte, mas vêem-se por toda parte outros países que abandonam progressivamente os Estados Unidos de maneira mais ou menos subtil, como por exemplo a Arábia Saudita
[2] . Para a União Europeia, quase o último bastião americanista fora dos EUA, a tarefa é mais árdua. Nossa equipe antecipa que as eleições europeias de 2014, em que a ascensão das direitas extremistas e das forças eurocépticas é inevitável, conduzirão a uma explosão do quadro actual da UE com a possibilidade de a Eurolândia revitalizar-se em sua substituição. Analisamos em pormenor o caso europeu neste número do GEAB.
Internacionalização acelerada do Yuan que vem descredibilizar mais um pouco o papel central do dólar, perda do apoio saudita que era uma peça mestra no edifício do petrodólar e perda do bastião americanista da UE substituído pela Eurolândia que, apoiando-se sobre o Euro
[NR] , constitui uma nova ameaça para os Estados Unidos: três dos últimos apoios essenciais da potência americana desaparecerão em 2014, prosseguindo insidiosamente a convulsão mundial.
Os Estados Unidos fizeram a aposta de que, sendo demasiado doloroso transpor a barreira potencial
[3] entre o status quo e o mundo de amanhã, os países, apesar de terem tudo a ganhar com uma nova organização do mundo, não passarão o Rubicão. É por exemplo o caso da China com a sua montanha de dólares em reserva que não valerão grande coisa se ela se mexer demasiado ostensivamente; ou ainda a Arábia Saudita que perderá um grande cliente e uma segurança garantida se se desprender dos Estados Unidos. Salvo se se tratar nem mais nem menos de um cálculo frio de custos/benefícios e, para numerosos actores, os benefícios já começam a ultrapassar os custos. Segundo o LEAP/2020, a aposta americana já está perdida.
Plano do artigo completo:
1. A Oeste, nada de novo
2. A impossível reactivação dos EUA
3. Tudo se volta contra os Estados Unidos
4. Arábia Saudita: Abertura de um país fechado
5. Internacionalização do Yuan
6. Fractura Leste/Oeste
7. 2014: Resolução da questão norte-coreana pelos BRICS
8. A Europa está morta, viva a Europa!
9. Europa de antes, Europa de depois
10. Emergência de contra-sistemas
Apresentamos neste comunicado público extractos das partes 1, 2 e 8.
A OESTE, NADA DE NOVO [4] Os mercados podem estar contentes. Janet Yellen, que em Janeiro sucederá a Ben Bernanke à testa do Fed, sugeriu que deseja continuar o programa de flexibilidade quantitativa do seu antecessor (QE3)
[5] . Ela certamente não tem outra opção uma vez que a ilusão dos Estados Unidos ainda de pé não se sustenta senão graças a este programa que também permitiu relançar artificialmente tanto o mercado imobiliário como os mercados financeiros, ou financiar o governo americano a baixo custo.
Mas apenas os mercados celebram a notícia. Os países estrangeiros perguntam-se quando as bolhas exportadas pelo Fed vão cessar, como isso vai poder acabar, como deixar de depender dos Estados Unidos e, se ainda não desligaram suficientemente suas economias, quais serão as repercussões internas. A sociedade civil já sabe que os "benefícios" da QE nunca chegam até ela
[6] : como se a totalidade de um New Deal por ano
[7] fosse absorvida unicamente pelos mercados e não beneficiasse a população. E a economia real pergunta-se quando as taxas de juro vão poder subir outra vez para um valor normal a fim de que os investidores sejam novamente estimulados a financiar verdadeiros projectos graças uma remuneração não nula.
Do lado do Fed, nada de novo portanto. Nada de novo tão pouco quanto aos problemas do país que se acumulam e se agravam. Os jornais de referência
[8] já falam de fome nos Estados Unidos; os crimes estão em aumento constante desde há dois anos
[9] ; o consumo de droga explode
[10] ; apesar das reduções orçamentais que forçam prisões a libertarem seus prisioneiros
[11] , há mais presos nos Estados Unidos do que engenheiros ou professores do secundário (ver figura abaixo); apesar dos números oficiais encorajadores, o desemprego em massa continua
[12] ; as infraestruturas são sacrificadas
[13] ; a investigação científica já não é financiada correctamente
[14] , etc.
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