São Paulo ? A discussão sobre mecanismos de aplicação de impostos e de combate à sonegação está longe de ser um assunto meramente técnico sobre gestão fiscal. O tema é, antes de tudo, um assunto político, diz respeito a todos os poderes e, sobretudo, a toda a sociedade, que é quem vai pagar e terá de ser atendida pelos serviços públicos financiados com os recursos arrecadados. E o auditor fiscal da Receita Paulo Gil Introini vai mais longe. Para ele, o assunto não interessa à elite e seus porta-voazes nos meios de comunicação: ?A classe dominante é competente em convencer a sociedade a manter esse quadro de injustiça e iniquidade?, afirmou Introini, ex-presidente do sindicato nacional de sua categoria, o Sindifisco Nacional.
E segundo o diretor de Assuntos Institucionais do Instituto de Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, a mudança do sistema tributário não se dará facilmente por meio do Parlamento, uma vez que o poder econômico é determinante na composição do Legislativo, o que explica, inclusive, o interesse desses setores na manutenção do financiamento privado de campanhas eleitorais. ?Os parlamentares são eleitos por quem financia, e não por quem vota. No caso do nosso sistema tributário, todo o poder não emana do povo, emana do lucro?, disse.
Ambos participaram nos debates desta tarde do seminário Qual Reforma Tributária o Brasil Precisa?, promovido hoje (25) pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo. Na opinião de Intrioni, a isenção de impostos sobre lucros e dividendos pagos a sócios e acionistas de empresas é questão essencial no contraditório sistema tributário. ?Se tivesse uma bala de prata, a primeira medida seria revogar essa isenção, inclusive sobre remessa de lucros ao exterior?, afirma o auditor. ?O que as manifestações de 2013 reivindicavam (transporte, saúde e serviços públicos de qualidade) deveriam ser financiados por um sistema tributário justo.?
- GERARDO LAZZARI/SIND BANCÁRIOS
- A auditora Clair Hickmann: "Não seria preciso mexer muito na Constituição para chegar a mudanças significativas"
Nem seria preciso mexer muito na Constituição para se conseguir mudanças significativas, na opinião da também auditora Clair Hickmann, que dirigiu a Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf) da Receita Federal. O problema, como ela assinala, é que vários princípios não respeitados. ?Uma reforma infraconstitucional poderia ser capaz de trazer justiça em vários aspectos. Por exemplo, o princípio da progressividade, que pode fazer o tributo ser um instrumento de distribuição de renda. Progressividade significa isso: quanto maior renda, maior alíquota?, disse, no mesmo evento, para depois citar outra medida que apontaria para a progressividade: ?Todos os rendimentos de capital têm que ser levados a uma tabela progressiva?, defendeu, reiterando os argumentos dos colegas.
O auditor Pedro Onofre Fernandes, dirigente do Sindifisco Nacional, lembrou que a reforma tributária silenciosa feita nos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, isentou a remessa de lucros ao exterior e os lucros para sócios e acionistas, a extinção de punibilidade para contribuintes que quitarem dívidas, entre outras medidas que foram na contramão de um sistema mais justo e distributivo. ?São alguns exemplos de sucesso das elites na realização de sua reforma tributária de acordo com seus interesses.?
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Ao falar sobre o quesito sonegação, o delegado da Polícia Federal Tacio Muzzi observou que supostos ou potenciais sonegadores acabam encontrando respaldo na própria legislação: ?O pagamento integral extingue a punibilidade?. Enquanto não forem extintos todos os recursos na esfera administrativa, o sonegador ou suposto sonegador não pode ser processado criminalmente. ?É essencial alterar a questão da extinção da punibilidade, para que sejam punidos não só com multas pesadas mas também com pena privativa de liberdade?, disse Muzzi.
O economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que a cartilhaUma Reforma Tributária para Melhorar a Vida do Trabalhador, elaborada por ele, com ilustrações do também professor Gilberto Maringoni, da Universidade Federal do ABC, está estruturada de maneira a mostrar didaticamente as injustiças e o fato de que quem paga imposto no país é o trabalhador, enquanto os que desembolsam pouco ou muito pouco são as empresas e a parcela mais rica da sociedade. ?A renda chamada de lucro é absolutamente isenta.?
Sicsú destacou que a cartilha ressalta a necessidade de se reformular o imposto sobre herança. ?Os outros países capitalistas admitem essa cobrança, aqui no Brasil não.? As empresas multinacionais remeteram ao exterior US$ 52,3 bilhões em 2013 e 2014. Esse valor assombroso não se reverte esse recursos para criar renda e emprego internamente nem para melhoria dos serviços públicos. E segundo ele, o caminho escolhido atualmente pela equipe econômica, de basear o dito ?ajuste? meramente em cortes de gastos, sem introduzir a preocupação com melhorar a arrecadação, vai levar a um retrocesso. ?A justiça tributária é a principal fonte de financiamento do desenvolvimento.?
A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, entidade organizadora do seminário e responsável pela cartilha, considera as iniciativas um passo importantes para que as pessoas entendem melhor as contradições do sistema tributário e possam cobrar as mudanças: "É preciso saber o que é carga tributária, o que é para ser cobrado de cada esfera de poder, da cidade do estado e da União, e o que é possível e necessário efetivamente ser feito para corrigir as injustiças", afirmou.
Da cartilha: Imposto de RendaImposto de Renda, teoricamente, seria um tributo justo e progressivo. O problema é a legislação brasileira não ajuda. Desde 2009, a tabela do IR para pessoa física no Brasil quatro faixas de alíquotas, de 7,5% a 27,5%.
Tal divisão faz com que a maior alíquota, de 27,5%, seja a mesma tanto para os contribuintes que ganham R$ 5 mil por mês como para os que recebem R$ 100 mil, por exemplo. A criação de novas faixas para as altas rendas e para os ricos é reivindicação antiga de diversas categorias de trabalhadores, pois poderia aumentar o número de pessoas de baixa renda que poderia ser isentar.
Nos Estados Unidos, por exemplo, quem ganha mais de US$ 400 mil por ano é tributado em 39,6%. No país considerado exemplo de eficiência por muita gente, a soma dos impostos coletados sobre as rendas e o patrimônio é superior a 50% do total. Na Inglaterra, a alíquota de quem ganha mais chega a 45%. Em Portugal, 48% e, na Holanda, 52%. No Brasil, os impostos sobre as rendas representam menos de 20% da arrecadação tributária.
Outro problema do IR é que essa tabela de alíquotas é corrigida abaixo da inflação, o que provoca no ganho real dos salários. O cálculo é simples. Se a tabela de imposto de renda é corrigida abaixo da inflação, na prática o trabalhador paga mais IR.Alimentos e lucro
Um levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que a alíquota média sobre alimentos no Brasil é de 17%. Nos maiores países da União Europeia é 5%. Na Inglaterra é zero. Em 34 estados americanos também não há tributo sobre os alimentos.
A tributação de alguns produtos consumidos na mesa dos brasileiros é a seguinte: frango, 16,80%; peixes, 21,77%; fubá, 25,28%; café, 19,98%; frutas, 21,78%; feijão, 17,24%. Essa elevada tributação sobre os alimentos ?é em grande medida proveniente? do ICMS, que representa cerca de 20% de toda a carga tributária brasileira?, diz a cartilha. ?Quanto menor a renda de uma família, mais ela gasta, em termos proporcionais, em alimentos.?
Os lucros e dividendos, por sua vez, têm tratamento contrário no sistema brasileiro. No governo Fernando Henrique Cardoso, houve uma desoneração de contribuintes por meio da Lei 9.249/1995. Em seu artigo 10, esta lei prevê a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos a pessoas físicas.
Outra herança do governo tucano foi a isenção de IR na remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras ao exterior. Segundo Nota Técnica do Dieese, as remessas somaram US$ 171,3 bilhões nos últimos oito anos e atingiram US$ 23,8 bilhões em 2013. Em 2014, as remessas aumentaram para US$ 26,5 bilhões.