Os Estados Unidos contam com grande vantagem na exploração do espaço. Tal vantagem tem relação direta com sua política de negar o acesso ao espaço por parte das nações que não compartilham suas visões. Inclusive, as nações aliadas da Europa Ocidental encontram dificuldades em contar com o apoio dos Estados Unidos em projetos espaciais que signifiquem para elas mais autonomia espacial. O próprio Brasil sofreu e vem sofrendo várias restrições tecnológicas aeroespaciais por parte de Washington, o que tem levado ao atraso de seu programa espacial por décadas. O objetivo por trás da política espacial dos Estados Unidos é buscar o completo domínio militar do espaço como a sua nova forma de impor a PAX AMERICANA. Comparando o espaço com o mar, os EUA planejam fazer no espaço o que já fazem no mar: permitir seu livre uso em época de paz e negá-lo em época de guerra.
Alguns países buscaram por meio das Nações Unidas garantir que os princípios do Direito do Mar fossem aplicados de forma análoga ao espaço. Entre eles, o princípio presente na obra Mare Liberum de Hugo Grotius que foi inquestionável em sua influência na personificação da defesa da liberdade dos mares[1]. Apesar das restrições contemporâneas, resultado das reivindicações dos Estados costeiros e da Comunidade Internacional sobre os fundos marinhos, o princípio mare liberum ainda é um manifesto em favor da liberdade dos mares em seu sentido moderno do termo para a liberdade de navegação em alto mar, trânsito livre, comércio e pesca[2]. No espaço, os Estados concordaram em aplicar os princípios do Direito Internacional de res communis, o conceito jurídico que dá entendimento a que algo pertence a um determinado grupo e pode ser utilizado por cada um dos membros do grupo sem ser apropriado por nenhum deles; o mesmo se aplica às águas internacionais. Assim como o Direito do Mar impede que alguém seja dono do mar, o espaço exterior se encontra fora do direito de propriedade, de modo que nenhuma parte do espaço poderia ser apropriada pela soberania estatal. Isso ficou claro em uma série de resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas[3]. Apesar do reconhecimento de tais princípios por todos os membros das Nações Unidas, a política espacial dos Estados Unidos parece resgatar a prática de princípios anteriores já ?superados? como aqueles defendidos pelo inglês Selden em sua famosa obra Mare Clausum que defendia o direito natural de um soberano em estabelecer como seu domínio a porção de mar que rodeia seus territórios[4] e a obra de Serafim de Freitas, ?Do justo império asiático dos portugueses?, que defendia o monopólio dos mares, ou seja, o seu uso exclusivo por uma nação[5]. A política espacial dos Estados Unidos busca exatamente isso, estabelecer o espaço como sua exclusiva zona de influência. Para lograr tal objetivo e manter uma opinião pública internacional favorável, Washington se apresenta ao mundo como o intermediário entre o espaço e os demais países do planeta. Caso estes tenham programas pacíficos, alinhados ou submetidos aos interesses espaciais estadunidenses, o acesso ao espaço é permitido. Se a busca ao espaço se dá de forma independente e autônoma, esta busca sofrerá embargos tecnológicos e econômicos. Tudo em nome da segurança dos Estados Unidos, que está disposto, inclusive, ao conflito armado aberto em defesa de seus interesses espaciais.
Restringir o acesso de outros Estados ao espaço é apenas um dos passos dos Estados Unidos que lhe permitiram sempre estar na dianteira. Contudo, para aqueles países que seus embargos tecnológicos não são suficientes, resta uma política espacial mais agressiva, que se traduz pelo desenvolvimento de veículos de propósito múltiplo como o X37B, o sucessor dos ônibus espaciais, que possui características de nave de espionagem combinada com capacidade anti-satélite. Ao contrário dos seus antecessores que eram operados pela NASA, o X37B é controlado diretamente pela Força Aérea dos Estados Unidos. A maneira encontrada pelos Estados Unidos para proteger sua hegemonia espacial e seu ?mare clausum cósmico? daqueles que insistirem em também utilizar o espaço como campo de atuação militar, foi garantir que qualquer ataque ao seu patrimônio espacial seja respondido com um forte e massivo contra-ataque por terra, mar, ar e espaço. Para tal, busca sempre estar na vanguarda tecnológica das armas espaciais. Porém, ser líder na utilização do espaço pode significar que os Estados Unidos sejam quem mais tenha a perder caso seus sistemas de armas espaciais se tornem vulneráveis a um ataque. Por ter a hegemonia aeroespacial, os Estados Unidos seriam os últimos a ganhar com o desenvolvimento de armas espaciais. O ponto débil de tal iniciativa se encontra que se os Estados Unidos lideram o desenvolvimento destas armas espaciais, será mais fácil para outros países seguirem o mesmo caminho, graças à tecnologia estadunidense, pioneira neste campo. É muito difícil controlar ou restringir acesso à informação no século XXI e muitas nações por meios lícitos ou não, sempre conseguem obter algo.
A China é atualmente o país que mais tem se beneficiado da espionagem industrial-espacial e tem conseguido rápidos avanços em seus programas espaciais. A maior prova disso se deu precisamente neste ano de 2013, quando a China lançou ao espaço os satélites Shiyan 7 (SY-7), Chuangxin (CX-3) e Shijan-15 (SJ-15)[6]. Estes foram levados ao espaço pelo foguete chinês CZ-4C e desde agosto começaram a efetuar manobras orbitais de aproximação entre eles. Um dos satélites possui um braço robótico que lhe permitiu inclusive acoplar-se a outro dos satélites chineses. Apesar da declaração oficial que os satélites estavam cumprindo tarefas tipicamente científicas, relacionadas com a assistência técnica de aparelhos espaciais, a existência de um braço robótico, manobras de aproximação e capacidade de interferir em outros satélites são características próprias de uma arma anti-satélite. Agora além de sistemas de mísseis assassinos de porta-aviões (ASBM ? anti-ship ballistic missile), Dong Feng ? 21D (DF-21D) e provavelmente Dong Feng ? 31(DF-31) baseados em terra, a China possui satélites assassinos de outros satélites de modelo soviético operando no espaço. Para completar o cenário, com o lançamento dos satélites Jianbing-5/YaoGan-1, Jianbing-6/YaoGan-2 entre outros, os chineses possuem capacidade de localizar os navios inimigos e guiar seus mísseis até eles. Os mísseis DF-21D, são um grande pesadelo para Washington já que os porta-aviões dos Estados Unidos não são fáceis de esconder e circulam escoltados por fragatas, destroieres e submarinos que são inúteis diante do DF-21D, de 14,7 toneladas, 10 metros, e capaz de receber ogivas nucleares. Em um ataque, dezenas de DF-21D, orientados pelos satélites chineses, podem atacar de surpresa, sem chance de defesa[7].
Neste momento a China é uma séria ameaça aos objetivos de hegemonia espacial dos Estados Unidos por contar com um poderoso programa de criação de armas anti-satélites, capaz de rivalizar com o programa anti-satélite de Washington. Neste contexto, na medida em que a China e outros países começam a ocupar posições no espaço, a possibilidade de conflito entre estes e os Estados Unidos passa a ser uma realidade. A política espacial de Washington apenas está deixando pronto e transitável o caminho para a guerra aeroespacial do séc. XXI que outras nações já começaram a seguir e, em breve, as armas anti-satélite poderão promover a militarização do espaço.
O avanço tecnológico chinês no campo espacial de armas anti-satélite apresenta-se como uma resposta à política espacial dos Estados Unidos e sua insistência por manter uma política ambígua em relação aos seus aliados e possíveis aliados asiáticos intimidados diante do crescente poderio militar chinês. Se por um lado o discurso de Washington é pela solução pacífica dos conflitos e disputas territoriais que seus aliados e possíveis aliados possuem em relação à China, por outro, não perde nenhuma oportunidade de demonstrar seu poder militar ao ensaiar jogos de guerra próximos as fronteiras chinesas, que são respondidos por Pequim na mesma moeda, acirrando ainda mais a tensão na região.
Em recente artigo publicado no Foreign Affairs, Avery Goldstein afirma que os recentes acontecimentos mostram a possibilidade que uma crise entre potências nucleares é real e iminente. Apesar da diminuição da tensão entre Washington e Pequim em relação a Taiwan, outros fatores surgiram e ameaçam gerar um conflito aberto. Entre os fatores, Goldstein aponta a ambiguidade do discurso e prática dos Estados Unidos na região que pode levar a uma incerteza de onde estão os limites de provocação mútua, levando a China ou os Estados Unidos a empreenderem uma ação provocativa não esperada, que poderá ser interpretada pela outra parte como um ato de agressão. Considerando o avanço tecnológico das armas convencionais, que apenas são eficazes antes do contra-ataque inimigo, já que sua gestão é extremamente sensível, Goldstein adverte que estas armas são vulneráveis a ataques cibernéticos graças à sofisticação dos sistemas eletrônicos e de satélites. Assim, o uso de armas convencionais pode gerar uma série de erros imprevisíveis capazes de abrir caminho a uma catástrofe nuclear não anunciada[8]. Entre as armas convencionais, o emprego de armas anti-satélite, tanto chinesas como estadunidenses, podem ser o último degrau para o início de um conflito cujo resultado pode ser imprevisível para toda a humanidade.
BIBLIOGRAFIA
ÁLVAREZ LONDOÑO, Luis Fernando, Historia del Derecho Internacional Público, Pontificia Universidad Javeriana, Colección Estudios de Derecho Internacional nº 3, Bogotá, 2000.
GÓMEZ ROBLEDO, Antonio, Fundadores del Derecho Internacional, Instituto de Investigaciones Jurídicas, Universidad Nacional Autónoma de México, Ciudad de México, 1989.
GROCIO, Hugo, De la Libertad de los Mares, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1979.
PÉREZ GONZÁLES, Alfredo, Doctrina Internacionalista de Serafín de Freitas, Edita Revista Estudios, Madrid, 1963.
SHAW, Malcolm Nathan, International Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2003.
[1] GROCIO, De la Libertad de los Mares, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1979, p. 34.
[2] GÓMEZ ROBLEDO, Fundadores del Derecho Internacional, Instituto de Investigaciones Jurídicas, Universidad Nacional Autónoma de México, Ciudad de México, 1989, p. 112.
[3] SHAW, International Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2003, p. 481.
[4] ÁLVAREZ LONDOÑO, Historia del Derecho Internacional Público, Pontificia Universidad Javeriana, Colección Estudios de Derecho Internacional nº 3, Bogotá, 2000, p. 81.
[5] PÉREZ GONZÁLES, Doctrina Internacionalista de Serafín de Freitas, Edita Revista Estudios, Madrid, 1963, p. 115.
[6] I24 NEWS, Chinese satellite movements alarm experts, disponível em: http://www.i24news.tv/en/news/international/asia-pacific/130820-chinese-satellite-movements-baffle-experts. Acesso em 20.10.2013.
[7] ESTADÃO, China avança em projeto de míssil que destrói porta-aviões, disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,china-avanca-em-projeto-de-missil-que-destroi-porta-avioes,659773,0.htm. Acesso em: 20.10.2013.
[8] FOREIGN AFFAIRS, China?s Real and Present Danger: Now Is the Time for Washington to Worry, disponível em: http://www.foreignaffairs.com/articles/139651/avery-goldstein/chinas-real-and-present-danger. Acesso em: 20.10.2013.
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