2014: a "grande retirada" americana
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2014: a "grande retirada" americana


Moedas, geopolítica, imobiliário, finanças...


por GEAB [*]
O ano de 2013 acaba com o mundo de ontem totalmente gretado; o de 2014 será impiedoso para este mundo do qual restarão apenas as suas ruínas. Mas "pode-se também construir algo de belo com as pedras que estorvam o caminho" [1] e, neste caos, o mundo do porvir já deu os seus primeiros passos como antecipámos no GEAB nº 70 de Dezembro de 2012 [2] . Quer se trate dos reveses económicos ou políticos dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia, das vitórias diplomáticas russas na Síria, Arménia ou Ucrânia, ou ainda das veleidades chinesas no mar da China Oriental, as potências de amanhã preenchem rapidamente o vazio geopolítico deixado pelas potências de ontem.

Ora, 2014 vai experimentar uma aceleração dramática desta tendência profunda graças à convergência de numerosos factores: perda de controle do mundo pelos Estados Unidos, fim da eficácia dos métodos desesperados de salvaguarda ( quantitative easing principalmente), nova implosão do mercado imobiliário... sem esquecer o lodaçal de fundo que é a reforma forçosa do sistema monetário internacional. Para adopar a imagem da roleta, até recentemente houve a fase "façam vossos jogos) na qual os jogadores puderam preparar e desenvolver suas estratégias; estamos agora na fase "nada mais" em que os jogadores vão em breve poder verificar seus ganhos ? ou suas perdas.

Plano do artigo completo:
1. O novo sistema monetário internacional à espera do Euro
2. A tentação solitária da China
3. Vazio geopolitico estado-unidense
4. A realidade apita o fim dos prolongamentos 


Apresentamos neste comunicado público a parte 1.

O NOVO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL À ESPERA DO EURO 

As coisas mexem-se incrivelmente rápido na frente monetária e todos os esforços empreendidos até o momento vão tentar concretizar-se em 2014. Os cinco exemplos seguintes são reveladores das evoluções em andamento.

O Kuwait, o Qatar, o Bahrein e a Arábia Saudita lançam no fim de Dezembro a sua moeda comum [3] . Esta vai ser no momento "ligada" ("peggée") ao dólar; ora o comércio destes países é cada vez menos importante com os Estados Unidos. Neste caso, porque ligá-la ao dólar? Simplesmente para evitar que os Estados Unidos lhes ponham paus nas rodas, sabendo que uma simples decisão política permitirá num futuro próximo comutar para a solução mais robusta de um cabaz de moedas desligado da moeda americano [4] . Notemos igualmente que cinco países africanos (Quénia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi) também acordaram acerca de uma moeda comum [5] ...

O bitcoin desperta cobiças [6] , enlouquece os mercados e os bancos centrais que tentam regulá-lo [7] . Se estes movimentos recentes são em grande parte devidos à especulação, como analisámos no GEAB nº 79 não há dúvida de que o seu êxito é muito revelador das evoluções em andamento: desconfiança para com as moedas fiduciárias (em primeiro lugar das quais está o dólar), necessidade de uma moeda "não manipulável) pelos bancos centrais, descentralizada, não dominada por um país ou uma entidade, desmaterializada... Esta experiência é uma primeira tentativa, imperfeita, com forte volatilidade (devido aos baixos volumes e à criação monetária fixa), que se confronta com as reticências dos diferentes legisladores e que se arrisca portanto a desaparecer ou ser marginalizada num futuro próximo. Contudo, as características desta moeda virtual são de levar em conta nas reflexões sobre a invenção de uma nova moeda de troca internacional.

O ouro, como já se viu numerosas vezes, passa do Ocidente para o Oriente a um ritmo desenfreado [8] , vindo pouco a pouco a apoiar a legitimidade internacional do yuan. Ainda que não haja dúvida de que o padrão ouro não retornará, pois mal adequado às necessidades da nossa época, ainda que o novo sistema monetário internacional, qualquer que venha a ser, não terá qualquer ligação ao ouro [9] , a posse deste metal permanece uma importante marca de confiança no actual caos monetário.

Agências de classificação realmente internacionais (ou "multipolares") vêem à luz [10] com o objectivo de romper o monopólio das agências anglo-saxónicas. Isto é tudo menos anódino pois as agências influenciam os mercados, nomeadamente sobre a avaliação das economias nacionais... Naturalmente este factor não é directamente monetário mas ele também contribui para por em causa a hegemonia do dólar. [11]

A utilização do yuan nos pagamentos de importações a crédito acaba de duplicar os do euro e figura agora no segundo lugar mundial... ? o que é simbólico [12] . Acordos swap que permitem comerciar em moedas locais foram concluídos com praticamente todas as regiões do mundo. Em consequência, a proporção do comércio com a China paga em yuan passou, em menos de um ano, de 12% para 20% [13] e o total do comércio internacional denominado em yuan deveria ter um aumento de 50% em 2014 [14] ... Esta corrida fulgurante é tanto mais impressionante quando se considera que a moeda chinesa ainda não é livremente convertível e é o sinal da atracção irresistível da economia do país.
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Entretanto, se se excluir os Estados Unidos que estão escorado num status quo que lhe é favorável [15] , um verdadeiro sistema internacional não pode ser feito sem a zona euro, cuja moeda representa cerca de 30% das trocas internacionais e das reservas mundiais [16] , segunda moeda internacional muito adiante daquelas que a seguem. Ora, como já se analisou longamente no último número do GEAB, o euro permaneceu mais como um apoio do dólar do que como uma alternativa, em particular pela sua incapacidade para se impor nos seus próprios intercâmbios internacionais ao invés do dólar, o que levou a este paradoxo: a enorme dinâmica comercial europeia serve directamente a perenidade do dólar [17] . A comutação para um sistema monetário multipolar ainda depende por enquanto da decisão da Eurolândia de abandonar o dólar e tomar o comboio em marcha da actual transformação monetária inelutável, conduzida em primeiro lugar pela China.

A união bancária, que progride pouco a pouco [18] é a ocasião de reforçar a moeda única e de lhe fazer desempenhar o verdadeiro papel ao qual pretendia quando os decisores europeus de outrora [19] a inventaram; assim como o choque saudável das eleições europeias de 2014 que desconectará ainda mais um pouco a zona euro da UE. O fim de 2014 ou o mais tardar 2015 é portanto a data em que o euro desempenhará finalmente a sua parte no projecto de fazer o sistema monetário internacional sair dos trilhos do dólar. [NR]

[...]
Notas: 
1 Citação de Goethe.
2 Intitulávamos na época: 2013, os primeiros passos num "mundo de depois" em plano caos.
3 Fonte: Gulf News, 01/12/2013.
4 Com efeito, o artigo anterior explica que já há economistas que desejam cortar a ligação ao dólar....
5 Fonte: Business Day, 01/12/2013.
6 Na China nomeadamente: CNBC, 29/11/2013.
7 Fonte: Caixin, 10/12/2013. Ver também Le Monde, 13/12/2013.
8 Alguns pensam mesmo que o Ocidente não poderá manipular por muito mais tempo as cotações do ouro... pois não dispõem suficientemente deste metal. Fonte: Peak Prosperity, 06/12/2013.
9 O ouro pode servir para escorar uma moeda em curso de (re)legitimação internacional mas desde que esta acede a este estatuto internacional, ela recria de facto a confiança nas moedas. O ouro é então relegado à sua categoria de "relíquia bárbara", deixando as moedas apoiarem-se sobre as verdadeiras riquezas dos tempos modernos: energias, produção quantificada de riquezas, etc... O colapso da produtividade efectiva da economia estado-unidense sobre a qual estava fundamentada a moeda internacional (dólar) explica a enorme crise monetária que o mundo atravessa e à qual a emergência do yuan responde amplamente, proporcionando a base de uma re-vinculação das moedas às economias. O problema é que, ao aceder ao estatuto internacional, o yuan vai precipitar o colapso do dólar e da economia virtual americana, o que não deixará de ter efeitos sobre o resto do planeta. Eis porque, ainda nesta etapa, o LEAP continua a aconselhar seus leitores a diversificar uma parte dos seus haveres em ouro físico a fim de amortecer os choques antevistos em 2014, mas também será preciso saber vendê-lo a tempo.
10 Nós o notávamos no GEAB nº 79. Fontes: The BRICS Post (29/06/2013), The BRICS Post (12/11/2013).
11 Acerca deste dossier, na sequência dos ataques das agências de classificação americanas às notas europeias, a Europa fora dos primeiros a propor a criação de uma agência alternativa. Infelizmente, em Abril de 2013, ela concluiu pela impossibilidade de financiar uma agência de classificação europeia: demasiado caro, demasiado complicado! Desde então, os chineses, os russos, os africanos (com WARA, etc), todos eles criaram suas agências de classificação que se estruturam em redes mundiais (por exemplo no quadro da UCRG) para constituir um sistema de classificação adaptado ao mundo multipolar... sem que a Europa possa dele participar: a Europa não faz parte do sistema de classificação multipolar que está em gestação desde há algum tempo. Isto é aflitivo e coloca, ainda e sempre, esta pergunta: quem impediu a criação de uma tal agência na Europa? Provavelmente os mesmos que tentam sorrateiramente nos fazer passar o Tratado Transatlântico, as zonas de livre comércio anti-russas com a Ucrânia, a Moldávia, a Arménia, a integração da Turquia na UE, etc ? e que esperam ansiosamente ver a Europa tomar definitivamente a porta de saída dos negócios do mundo. Dirigindo-nos a dirigentes europeus, reiteramos nossa recomendação de criar o mais rapidamente possível uma tal agência! E que não se diga que a Europa não tem os meios e as competências para conduzir a bom porto este género de projecto...
12 Fonte: Reuters, 03/12/2013. Atenção: ao contrário do que é geralmente subentendido, o yuan não é (ainda) a segunda divisa do comércio internacional e de longe: trata-se aqui apenas de um certo tipo particular de operações e não de todos os intercâmbios comerciais (Fonte: Le Monde, 03/12/2013). Contudo, não há dúvida de que a ascensão do yuan é muito impressionante.
13 Fonte: Reuters, 03/12/2013.
14 Fonte: CNBC, 11/12/2013.
15 Na verdade eles não têm realmente opção uma vez que o seu poder repousa na sua capacidade de manter a supremacia do dólar.
16 Cf. GEAB n°62 (Fevereiro 2012).
17 É certo que esta aberração tem como vantagem notável evitar à moeda comum europeia ganhar demasiado valor. Mas esta é realmente a única vantagem... portanto pode-se perguntar se ela compensa aquelas que haveria em tornar o euro independente.
18 E que põe cada vez mais a UE de lado... Fonte: EUObserver, 11/12/2013. Aprofundamos este assunto na secção Telescópio.
19 Os Mitterrand, Kohl e outros no fim dos anos 80, princípios de 90.

[NR] Resistir.info não endossa necessariamente tudo o que publica. No caso em apreço, considera que a ruína do dólar será acompanhada pela do euro. 

15/Dezembro/2013

[*] Global Europe Anticipation Bulletin.

O original encontra-se em www.leap2020.eu/... 



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